O meu 25 de Abril
Portalegre amanhecera cinzenta naquela quinta-feira de Abril, há trinta e três anos.
Não me lembrava de antes ter ouvido o meu Pai falar de política em casa. Mas, nessa manhã, prestes a sair para o Liceu, vejo-o regressar e dizer-nos que as rádios anunciavam um golpe de estado. Estava radiante.
Lembro as aulas desse tempo, como, por exemplo, de Organização Política e Administrativa da Nação, onde se falava do que estava no manual.
Tinha uma namorada, que depois de trocarmos lindas palavras de amor, falávamos de literatura.
Comprava “O Século” e «devorava» o suplemento de desporto. «Vivia» o Benfica e o Desportivo. Tomava café n' O Alentejano, lanchava n' O Plátano, e uma vez por outra almoçava n' O Capote. Já não ia à Biblioteca da Gulbenkian porque tinha lido todos os livros que me interessavam. Comprava romances no José Maria Alves e livros marxistas no Silvino. Ia ao Crisfal sempre que aparecia um Fellini, ou ver clássicos, ou os filmes da moda.
Com eram tranquilos esses meus tempos em Portalegre.
Inexplicavelmente, depois de ouvir o meu Pai, senti que esse mundo acabara.
Ao chegar ao Liceu parecia que havia algo diferente no ar. E, de facto, desde então tudo nunca mais foi como dantes.
As aulas passaram a ser diferentes. Uns Professores continuavam a dar a matéria, outros, poucos, faziam nelas debates políticos, principalmente sobre a guerra do Ultramar.
Amizades de longos anos terminaram abruptamente indo cada um para trincheiras diferentes, e outras começaram.
A nossa conversa de namorados passou a ser de política, e depois da discussão, uma mais vigorosa do que a outra, é que vinha o amor, e esse, num quente dia de Verão, acabou.
Nos anos de 74 e 75, quantos combates em Portalegre, e, depois, em Coimbra!
Tinham sido criadas expectativas de democratização, de desenvolvimento e de paz. Mas a descolonização fazia milhares de vítimas, o desenvolvimento era a delapidação das reservas de ouro avaramente amealhadas e a democracia estava tutelada por militares extremistas.
Foi preciso esperar por Novembro de 1975 para que o País pudesse finalmente ter acesso ao que fora prometido na Primavera de 74.
Então, a democracia política deixou de ser uma promessa e o desenvolvimento económico uma miragem. Só os erros da descolonização não puderam ser reparados.
Hoje, trinta e três anos depois, vive-se um perigoso unanimismo.
Na celebração da Revolução dos Cravos, a esquerda, considerando-se a única herdeira do programa do Movimento das Forças Armadas, quer apropriar-se do que de bom trouxe e negar o contributo para o que de mau aconteceu.
A liberdade e a democracia não são pertença de alguns, mas de todos.
Era bom que tal não fosse esquecido.
Não me lembrava de antes ter ouvido o meu Pai falar de política em casa. Mas, nessa manhã, prestes a sair para o Liceu, vejo-o regressar e dizer-nos que as rádios anunciavam um golpe de estado. Estava radiante.
Lembro as aulas desse tempo, como, por exemplo, de Organização Política e Administrativa da Nação, onde se falava do que estava no manual.
Tinha uma namorada, que depois de trocarmos lindas palavras de amor, falávamos de literatura.
Comprava “O Século” e «devorava» o suplemento de desporto. «Vivia» o Benfica e o Desportivo. Tomava café n' O Alentejano, lanchava n' O Plátano, e uma vez por outra almoçava n' O Capote. Já não ia à Biblioteca da Gulbenkian porque tinha lido todos os livros que me interessavam. Comprava romances no José Maria Alves e livros marxistas no Silvino. Ia ao Crisfal sempre que aparecia um Fellini, ou ver clássicos, ou os filmes da moda.
Com eram tranquilos esses meus tempos em Portalegre.
Inexplicavelmente, depois de ouvir o meu Pai, senti que esse mundo acabara.
Ao chegar ao Liceu parecia que havia algo diferente no ar. E, de facto, desde então tudo nunca mais foi como dantes.
As aulas passaram a ser diferentes. Uns Professores continuavam a dar a matéria, outros, poucos, faziam nelas debates políticos, principalmente sobre a guerra do Ultramar.
Amizades de longos anos terminaram abruptamente indo cada um para trincheiras diferentes, e outras começaram.
A nossa conversa de namorados passou a ser de política, e depois da discussão, uma mais vigorosa do que a outra, é que vinha o amor, e esse, num quente dia de Verão, acabou.
Nos anos de 74 e 75, quantos combates em Portalegre, e, depois, em Coimbra!
Tinham sido criadas expectativas de democratização, de desenvolvimento e de paz. Mas a descolonização fazia milhares de vítimas, o desenvolvimento era a delapidação das reservas de ouro avaramente amealhadas e a democracia estava tutelada por militares extremistas.
Foi preciso esperar por Novembro de 1975 para que o País pudesse finalmente ter acesso ao que fora prometido na Primavera de 74.
Então, a democracia política deixou de ser uma promessa e o desenvolvimento económico uma miragem. Só os erros da descolonização não puderam ser reparados.
Hoje, trinta e três anos depois, vive-se um perigoso unanimismo.
Na celebração da Revolução dos Cravos, a esquerda, considerando-se a única herdeira do programa do Movimento das Forças Armadas, quer apropriar-se do que de bom trouxe e negar o contributo para o que de mau aconteceu.
A liberdade e a democracia não são pertença de alguns, mas de todos.
Era bom que tal não fosse esquecido.
Mário Casa Nova Martins
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Este texto foi originalmente lido na então Rádio São Mamede, em 25 de Abril de 1999. Posteriormente foi revisto e publicado no semanário “O Distrito de Portalegre”. O que agora apresentamos, apenas difere do primitivo na alteração do tempo, de vinte e cinco para trinta e três anos, e em questões de semântica.
A razão de o trazermos novamente a público, prende-se ao facto de nele nos continuarmos a rever.
Este texto foi originalmente lido na então Rádio São Mamede, em 25 de Abril de 1999. Posteriormente foi revisto e publicado no semanário “O Distrito de Portalegre”. O que agora apresentamos, apenas difere do primitivo na alteração do tempo, de vinte e cinco para trinta e três anos, e em questões de semântica.
A razão de o trazermos novamente a público, prende-se ao facto de nele nos continuarmos a rever.
MárioJ.
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