José Regala - «Para lá do Tempo»
É dado como prática em situações como
a presente, que o Autor convide para apresentar a Obra um académico, um vulto
da intelectualidade local, uma figura grada da sociedade. Porém, o Zé quebrou
essa praxe e escolheu um Amigo para tão honrosa tarefa.
Assim, é-me dada a oportunidade de
trazer à memória dos presentes, vultos que hoje estarão esquecidos, como
introdução à apresentação do primeiro livro de Poesia do José Regala, «Para lá
do Tempo».
Cristóvão Falcão é nome de Escola
Pública. E o nome da sua mais conhecida Obra, «Crisfal» foi dado a uma sala de
espectáculos, que hoje é passado.
Cristóvão Falcão de Sousa, ou
Cristóvão de Sousa Falcão, terá nascido em Portalegre entre 1512 e 1515, e
falecido em 1557.
Cristóvão Falcão ter-se-ia apaixonado
na sua infância por Maria Brandão, uma jovem muito bela, herdeira de grande
fortuna, com quem teria chegado a casar secretamente em 1526, mas a oposição
dos pais levou a que o casamento fosse anulado.
Por este acto e o facto de Maria ser
menor, Cristóvão Falcão esteve preso durante cinco anos, enquanto Maria foi
obrigada pelos pais a enclausurar-se no Mosteiro do Lorvão.
Aí esforçaram-se por convencê-la que
o pretendente estaria mais interessado na sua fortuna do que nela. A
insistência dos argumentos e a promessa de um bom casamento acabaram por
convencer Maria a sair do mosteiro para casar em 1534 com Luís de Silva,
capitão de Tânger.
Esta história pessoal seria a
inspiração de Cristóvão Falcão para a obra poética pela qual é mais
conhecido, «Crisfal».
Crisfal é um criptónimo de Cristóvão
Falcão. Também Crisfal pode ser a conjunção de Crisma Falso.
Crisfal, Chrisfal ou Trovas
de Crisfal, conta a história dos jovens pastores Maria e Crisfal, que se amam
desde a infância, mas são separados porque os pais da jovem a levam para um
lugar distante.
Escrito em harmoniosa
redondilha maior, é talvez o mais expressivo exemplo da adaptação da
poesia bucólica grega e latina à sensibilidade portuguesa. É um poema
impregnado de saudade, de emoções ternas e puras, glorificadas em versos
escritos numa linguagem directa, mas de timbre requintado, onde perpassa uma
sensualidade picante e um realismo por vezes atrevido.
A obra colocou Cristóvão Falcão numa
posição única na literatura portuguesa e teve uma influência considerável em
poetas posteriores, nomeadamente Camões.
José Duro é nome de Largo, junto à
casa materna, e tem no Jardim da Corredoura um medalhão reproduzindo a sua
face.
José Duro, poeta decadentista, nasceu
em Portalegre a 22 de Outubro de 1875 e faleceu em Lisboa a 18 de Janeiro de
1899.
Para Martim de Gouveia e Sousa, o
movimento decadentista, nascido de uma crise de mentalidades e de
sensibilidade, postula uma sagração poética, com possibilidade degenerativa
superior e requintada, onde avulta um individualismo anti-heróico e fraccionado
em nevropatia, sinal de tédio e prostração. Sumptuarismo, anomalismo,
artificialismo e esteticismo serão ainda palavras de ordem do conhecimento
poético decadentista, que, do ponto de vista sugestivo, alinha no sentido de
uma renovação prosódica e musical, com estranhamentos aliterantes, sinestésicos
e vocabulares. Não deixa também de ser interessante a preocupação do artista
decadente com a experiência pessoal, a auto-análise, a perversão e as sensações
elaboradas e exóticas, advenientes, por exemplo, das decadências alexandrina,
romana e bizantina.
José Duro estudou na Escola
Politécnica de Lisboa, frequentando tertúlias literárias. Morreu com apenas 24
anos, de tuberculose.
Em 1896, aparece discretamente nas
letras com a publicação de uma pequena plaquette que
intitulou Flores, ainda não dando a dimensão do poeta que viria a ser, mas
já reveladora da sua «musa triste» como lhe chamou Albino Forjaz de Sampaio. Em
1898, pouco antes de falecer, José Duro teve ainda ocasião de ver o seu livro «Fel», acabado
de sair da tipografia.
Acusando, embora, a forte influência
dos universos de Poe, Baudelaire, Cesário e da própria vida e doença do seu
autor, o livro, mergulhando obsessivamente no mundo da doença, decadência e
morte, atinge-nos por um acento de aguda e sincera angústia e desespero. José Duro,
observou Santos Tavares, é o poeta do sentimento tornado bolor, da mágoa feita
em fel, da esperança vivida em pavor, da súplica ardendo raiva, da flor
venenosa, do beijo impuro poeta da catástrofe, da paixão-desgraça, da
nostalgia-desespero, o arauto, também, de uma juventude sem auroras.
As opiniões a seu respeito
desencontram-se desde os que, como Albino Forjaz de Sampaio, o consideram tão
grande como António Nobre, Cesário Verde, até aos que lhe negam qualquer
originalidade e importância. A verdade deve situar-se algures entre estes dois
extremos. Vitimado muito cedo pela tuberculose, o seu talento inegável, com
vincada tendência escatológica, não teve tempo de amadurecer no sentido de uma
maior depuração. Tal como ficou, «Fel» é, pelo menos, um documento
humano de inegável pungência.
Em 1985, António Ventura recolheu num
volume, em Portalegre, «Páginas Desconhecidas de José Duro», e Martim
de Gouveia e Sousa escreveu na «Plátano – revista de arte e crítica de
Portalegre», nos números dois (2005) e sete (2014), ensaios sobre o Poeta.
José Rodrigues Eustáquio nasceu em
Portalegre a 24 de Abril de 1938 e vem a falecer nesta cidade em 12 de Abril de
2005. Completou no Liceu Nacional de Portalegre o 2.º ciclo dos liceus. Filho
de pai militar, também viveu em África, o que lhe abriu horizontes. Fez
carreira na função pública, tendo-se aposentado como funcionário da
administração local.
Homem de leituras várias, os
clássicos portugueses, a literatura estrangeira, principalmente do século XX, e
a poesia ocupavam-lhe o ócio.
Cronologicamente, as obras publicadas
de J. R. Eustáquio são: ‘Eu poeta me confesso’, ‘O fel e os frutos’, ‘Os seios
de Palmira’, ‘Variações sobre a morte’, ‘Bom dia serenidade’, ‘A canto de
pássaro’, ‘Os últimos poemas’, ‘35 poemas bolorentos encontrados no sótão da
Avozinha’.
Foram publicados entre 1977 e 2000. A
poesia de José Rodrigues Eustáquio não é conhecida da maioria dos seus
conterrâneos. Pouco ou mesmo nada divulgada nos meios culturais, merece, no
entanto, estudo criterioso.
J. R. Eustáquio não pertenceu a
nenhuma irmandade. O tema recorrente na sua poesia é a mulher. E, ligado à
mulher, o erotismo, o desejo, a sensualidade, a volúpia. Mas, também está
presente nas palavras doridas do poeta, a morte. Embora a edição das oito obras
tenha sido em vinte e três anos, facilmente se identificam as diferentes
vivências por que vai passando J. R. Eustáquio. Nenhum poema aparece datado,
não que tal fosse importante, porque a descontinuidade temporal/temática que
apresentam demonstram terem sido feitos em distintos ciclos/fases da vida do
poeta.
O poema autobiográfico, ‘Eu’ aparece
em ‘A canto de pássaro’. Nele, J. R. Eustáquio questiona se é poeta, fala da
vida de escriturário, do sonho de marinheiro, da condição de celibatário, da
frugalidade do viver/padecer e na mundo-vivência que procura abarcar.
Leitor insaciável, para ele,
Portalegre é provinciana. Frequentador de cafés, a eles se refere, mas só
identifica o desaparecido Café Operário. Fumador impenitente, busca neste vício
consolo para a solidão. Ele, o introspectivo!
A morte, não o medo mas a sua
presença, é um dos principais leitmotiv da poesia de J.R. Eustáquio. A mulher
para o Poeta é o ser mais sublime, e o amor é algo que lhe vai fugindo,
tornando a sua poesia áspera e, quando erótica, dura. Quando fala da mulher,
começa terno mas acaba ‘perdido’ entre paixão e sexo puro.
Os dois curtos anos em África
deixam-lhe a nostalgia dos grandes espaços, e a viagem por mar criou-lhe o desejo
de ‘um dia’ ser marinheiro. O seu país, Portugal, a sua cidade, Portalegre,
trazem-lhe versos de desilusão, tal como a Revolução dos Cravos. O poeta
enquanto ‘sonhador’ está ferido pela ‘realidade’. Uma palavra para a Mãe,
figura tutelar na obra.
Trazer para o vosso convívio estes
três poetas de Portalegre, é uma forma de os lembrar, e ao mesmo tempo
introduzir a Poesia do José Regala.
«Para lá do Tempo», é uma obra
poética que transmite ao Leitor toda uma vida, vivida umas vezes perigosamente,
outras habitualmente. Não são poemas de juventude, transmitem a serenidade dos
anos cheios de experiências. Há muito sentimento e também grande nostalgia. À
primeira vista agradáveis de ler. Mas quando se penetra no seu âmago
percebe-se, então, a complexidade do Ser que é o José Regala.
Uma palavra para a excelência da
capa, a par da cuidada edição.
No Prefácio tivemos oportunidade de
dissecar a personalidade do José Regala. Não nos vamos repetir. Agora é tempo
de darmos a palavra ao Autor, ao Poeta, que não é só Poeta, como ele próprio em
seguida comprovará.
Convidado por duas vezes no programa da
Rádio Portalegre «Praça da República» pelo seu autor, José Polainas, o diálogo
que então se estabeleceu entre ambos foi tão forte e intenso, que praticamente
o Zé Polainas não ‘passou’ música. Um grande conversador, que teremos
oportunidade de confirmar.
Quando o Zé Regala escrevia no
Facebook textos notáveis sobre temáticas que tanto cultiva, temas que de
certeza irá abordar, o seu antigo Aluno António Branco ia à ‘caixa de
comentários’, tratá-lo por Mestre, adjectivo que eu próprio subscrevia.
Agradeço ao José Regala a
gratificante oportunidade de aqui o poder homenagear publicamente, e de
reafirmar a Honra de o ter como Amigo.
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Texto lido no Museu da Tapeçaria no dia 2 de Novembro de 2024, em Portalege, na apresentação do livro de José Regala «Para lá do Tempo»
Mário Casa Nova Martins
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