\ A VOZ PORTALEGRENSE: José Regala - «Para lá do Tempo»

segunda-feira, novembro 04, 2024

José Regala - «Para lá do Tempo»



É dado como prática em situações como a presente, que o Autor convide para apresentar a Obra um académico, um vulto da intelectualidade local, uma figura grada da sociedade. Porém, o Zé quebrou essa praxe e escolheu um Amigo para tão honrosa tarefa.

Assim, é-me dada a oportunidade de trazer à memória dos presentes, vultos que hoje estarão esquecidos, como introdução à apresentação do primeiro livro de Poesia do José Regala, «Para lá do Tempo».

 

Cristóvão Falcão é nome de Escola Pública. E o nome da sua mais conhecida Obra, «Crisfal» foi dado a uma sala de espectáculos, que hoje é passado.

Cristóvão Falcão de Sousa, ou Cristóvão de Sousa Falcão, terá nascido em Portalegre entre 1512 e 1515, e falecido em 1557.

Cristóvão Falcão ter-se-ia apaixonado na sua infância por Maria Brandão, uma jovem muito bela, herdeira de grande fortuna, com quem teria chegado a casar secretamente em 1526, mas a oposição dos pais levou a que o casamento fosse anulado.

Por este acto e o facto de Maria ser menor, Cristóvão Falcão esteve preso durante cinco anos, enquanto Maria foi obrigada pelos pais a enclausurar-se no Mosteiro do Lorvão.

Aí esforçaram-se por convencê-la que o pretendente estaria mais interessado na sua fortuna do que nela. A insistência dos argumentos e a promessa de um bom casamento acabaram por convencer Maria a sair do mosteiro para casar em 1534 com Luís de Silva, capitão de Tânger.

Esta história pessoal seria a inspiração de Cristóvão Falcão para a obra poética pela qual é mais conhecido, «Crisfal».

Crisfal é um criptónimo de Cristóvão Falcão. Também Crisfal pode ser a conjunção de Crisma Falso.

Crisfal, Chrisfal ou Trovas de Crisfal, conta a história dos jovens pastores Maria e Crisfal, que se amam desde a infância, mas são separados porque os pais da jovem a levam para um lugar distante.

Escrito em harmoniosa redondilha maior, é talvez o mais expressivo exemplo da adaptação da poesia bucólica grega e latina à sensibilidade portuguesa. É um poema impregnado de saudade, de emoções ternas e puras, glorificadas em versos escritos numa linguagem directa, mas de timbre requintado, onde perpassa uma sensualidade picante e um realismo por vezes atrevido.

A obra colocou Cristóvão Falcão numa posição única na literatura portuguesa e teve uma influência considerável em poetas posteriores, nomeadamente Camões.

 

José Duro é nome de Largo, junto à casa materna, e tem no Jardim da Corredoura um medalhão reproduzindo a sua face.

José Duro, poeta decadentista, nasceu em Portalegre a 22 de Outubro de 1875 e faleceu em Lisboa a 18 de Janeiro de 1899.

Para Martim de Gouveia e Sousa, o movimento decadentista, nascido de uma crise de mentalidades e de sensibilidade, postula uma sagração poética, com possibilidade degenerativa superior e requintada, onde avulta um individualismo anti-heróico e fraccionado em nevropatia, sinal de tédio e prostração. Sumptuarismo, anomalismo, artificialismo e esteticismo serão ainda palavras de ordem do conhecimento poético decadentista, que, do ponto de vista sugestivo, alinha no sentido de uma renovação prosódica e musical, com estranhamentos aliterantes, sinestésicos e vocabulares. Não deixa também de ser interessante a preocupação do artista decadente com a experiência pessoal, a auto-análise, a perversão e as sensações elaboradas e exóticas, advenientes, por exemplo, das decadências alexandrina, romana e bizantina.

José Duro estudou na Escola Politécnica de Lisboa, frequentando tertúlias literárias. Morreu com apenas 24 anos, de tuberculose.

Em 1896, aparece discretamente nas letras com a publicação de uma pequena plaquette que intitulou Flores, ainda não dando a dimensão do poeta que viria a ser, mas já reveladora da sua «musa triste» como lhe chamou Albino Forjaz de Sampaio. Em 1898, pouco antes de falecer, José Duro teve ainda ocasião de ver o seu livro «Fel», acabado de sair da tipografia.

Acusando, embora, a forte influência dos universos de Poe, Baudelaire, Cesário e da própria vida e doença do seu autor, o livro, mergulhando obsessivamente no mundo da doença, decadência e morte, atinge-nos por um acento de aguda e sincera angústia e desespero. José Duro, observou Santos Tavares, é o poeta do sentimento tornado bolor, da mágoa feita em fel, da esperança vivida em pavor, da súplica ardendo raiva, da flor venenosa, do beijo impuro poeta da catástrofe, da paixão-desgraça, da nostalgia-desespero, o arauto, também, de uma juventude sem auroras.

As opiniões a seu respeito desencontram-se desde os que, como Albino Forjaz de Sampaio, o consideram tão grande como António Nobre, Cesário Verde, até aos que lhe negam qualquer originalidade e importância. A verdade deve situar-se algures entre estes dois extremos. Vitimado muito cedo pela tuberculose, o seu talento inegável, com vincada tendência escatológica, não teve tempo de amadurecer no sentido de uma maior depuração. Tal como ficou, «Fel» é, pelo menos, um documento humano de inegável pungência.

Em 1985, António Ventura recolheu num volume, em Portalegre, «Páginas Desconhecidas de José Duro», e Martim de Gouveia e Sousa escreveu na «Plátano – revista de arte e crítica de Portalegre», nos números dois (2005) e sete (2014), ensaios sobre o Poeta.

 

José Rodrigues Eustáquio nasceu em Portalegre a 24 de Abril de 1938 e vem a falecer nesta cidade em 12 de Abril de 2005. Completou no Liceu Nacional de Portalegre o 2.º ciclo dos liceus. Filho de pai militar, também viveu em África, o que lhe abriu horizontes. Fez carreira na função pública, tendo-se aposentado como funcionário da administração local.

Homem de leituras várias, os clássicos portugueses, a literatura estrangeira, principalmente do século XX, e a poesia ocupavam-lhe o ócio.

Cronologicamente, as obras publicadas de J. R. Eustáquio são: ‘Eu poeta me confesso’, ‘O fel e os frutos’, ‘Os seios de Palmira’, ‘Variações sobre a morte’, ‘Bom dia serenidade’, ‘A canto de pássaro’, ‘Os últimos poemas’, ‘35 poemas bolorentos encontrados no sótão da Avozinha’.

Foram publicados entre 1977 e 2000. A poesia de José Rodrigues Eustáquio não é conhecida da maioria dos seus conterrâneos. Pouco ou mesmo nada divulgada nos meios culturais, merece, no entanto, estudo criterioso.

J. R. Eustáquio não pertenceu a nenhuma irmandade. O tema recorrente na sua poesia é a mulher. E, ligado à mulher, o erotismo, o desejo, a sensualidade, a volúpia. Mas, também está presente nas palavras doridas do poeta, a morte. Embora a edição das oito obras tenha sido em vinte e três anos, facilmente se identificam as diferentes vivências por que vai passando J. R. Eustáquio. Nenhum poema aparece datado, não que tal fosse importante, porque a descontinuidade temporal/temática que apresentam demonstram terem sido feitos em distintos ciclos/fases da vida do poeta.

O poema autobiográfico, ‘Eu’ aparece em ‘A canto de pássaro’. Nele, J. R. Eustáquio questiona se é poeta, fala da vida de escriturário, do sonho de marinheiro, da condição de celibatário, da frugalidade do viver/padecer e na mundo-vivência que procura abarcar.

Leitor insaciável, para ele, Portalegre é provinciana. Frequentador de cafés, a eles se refere, mas só identifica o desaparecido Café Operário. Fumador impenitente, busca neste vício consolo para a solidão. Ele, o introspectivo!

A morte, não o medo mas a sua presença, é um dos principais leitmotiv da poesia de J.R. Eustáquio. A mulher para o Poeta é o ser mais sublime, e o amor é algo que lhe vai fugindo, tornando a sua poesia áspera e, quando erótica, dura. Quando fala da mulher, começa terno mas acaba ‘perdido’ entre paixão e sexo puro.

Os dois curtos anos em África deixam-lhe a nostalgia dos grandes espaços, e a viagem por mar criou-lhe o desejo de ‘um dia’ ser marinheiro. O seu país, Portugal, a sua cidade, Portalegre, trazem-lhe versos de desilusão, tal como a Revolução dos Cravos. O poeta enquanto ‘sonhador’ está ferido pela ‘realidade’. Uma palavra para a Mãe, figura tutelar na obra.

 

Trazer para o vosso convívio estes três poetas de Portalegre, é uma forma de os lembrar, e ao mesmo tempo introduzir a Poesia do José Regala.

«Para lá do Tempo», é uma obra poética que transmite ao Leitor toda uma vida, vivida umas vezes perigosamente, outras habitualmente. Não são poemas de juventude, transmitem a serenidade dos anos cheios de experiências. Há muito sentimento e também grande nostalgia. À primeira vista agradáveis de ler. Mas quando se penetra no seu âmago percebe-se, então, a complexidade do Ser que é o José Regala.

Uma palavra para a excelência da capa, a par da cuidada edição.

No Prefácio tivemos oportunidade de dissecar a personalidade do José Regala. Não nos vamos repetir. Agora é tempo de darmos a palavra ao Autor, ao Poeta, que não é só Poeta, como ele próprio em seguida comprovará.

Convidado por duas vezes no programa da Rádio Portalegre «Praça da República» pelo seu autor, José Polainas, o diálogo que então se estabeleceu entre ambos foi tão forte e intenso, que praticamente o Zé Polainas não ‘passou’ música. Um grande conversador, que teremos oportunidade de confirmar.

Quando o Zé Regala escrevia no Facebook textos notáveis sobre temáticas que tanto cultiva, temas que de certeza irá abordar, o seu antigo Aluno António Branco ia à ‘caixa de comentários’, tratá-lo por Mestre, adjectivo que eu próprio subscrevia.

Agradeço ao José Regala a gratificante oportunidade de aqui o poder homenagear publicamente, e de reafirmar a Honra de o ter como Amigo.

__

Texto lido no Museu da Tapeçaria no dia 2 de Novembro de 2024, em Portalege, na apresentação do livro de José Regala «Para lá do Tempo»

Mário Casa Nova Martins

*

*
*